Vistoria do Cremerj constata situação desumana' no Hospital do Andaraí


Numa maca de ferro e com colchonete fino, uma idosa com câncer, consumida pela dor, aguarda por alguma assistência que alivie seu sofrimento. Ela deveria estar numa enfermaria do setor de oncologia, recebendo cuidados específicos, mas uma comissão de vistoria do Cremerj e do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) encontrou a paciente no corredor da emergência do Hospital Federal do Andaraí, na Zona Norte do Rio, na última segunda-feira.

É nesse mesmo ambiente que um paciente está internado há quase um mês apenas para fazer hemodiálise, porque não consegue vaga em clínicas especializadas, e outro, há cinco dias com trombose, aguardava por um exame de doppler. O cenário descrito pela médica e diretora do conselho Beatriz Costa, que realizou a fiscalização, é "desumano e um desserviço à população, agravando o estado físico e psicológico dos pacientes ali internados".

Na vistoria, que foi acompanhada pela promotora de Justiça Márcia Lustosa, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Saúde do MPRJ, a comissão verificou que, no setor de trauma da emergência, havia apenas sete réguas de oxigênio para 19 pacientes internados em macas. Seis deles estavam no corredor, sem identificação adequada. A superlotação do setor contrasta com a ocupação dos leitos do hospital. De acordo com o Cremerj, ao analisar documentos (senso) fornecidos pela direção do Andaraí durante a vistoria, foi possível verificar que 84% dos 302 leitos da unidade estão disponíveis.

- Pacientes com câncer ficam na emergência ao lado de baleados, infartados, porque não há leitos de retaguarda na oncologia. No terceiro andar do prédio, onde funcionou uma tenda da dengue, as cadeiras viraram leitos para pacientes, que ficam meses ali. Uma médica passa visita nesses pacientes apenas duas vezes por semana. Isso é desumano - diz Beatriz.

Setor só tem médico duas vezes na semana

Segundo a comissão de fiscalização, somente há médicos na "tenda", como é chamado o setor, às segundas e às quintas-feiras. Nos demais dias da semana e nos plantões noturnos, quando um paciente agrava, o atendimento é feito por plantonistas do serviço de trauma – que, por sua vez, também tem déficit de médicos.

- Faltam médicos no hospital. E isso leva ao cancelamento de cirurgias, ao fechamento de leitos de CTI, o que também impossibilita a realização de operações de alta complexidade. Essa carência de profissionais vai desencadeando uma série de deficiências no atendimento - relata Beatriz.

Ainda segundo o Cremerj, foi verificado que o serviço de oncologia sofre com a falta de patologistas para emitirem laudos e com a demora do Sistema Estadual de Regulação (SER) para encaminhar os pacientes para a radioterapia – feita fora do hospital.

- O Cremerj tem feito essas vistorias nos hospitais e consideramos muito importante que o Ministério Público do Estado esteja junto para ter o panorama da Saúde do Rio de Janeiro. Estamos trabalhando para que o desdobramento dessas vistorias mude o cenário atual - diz a médica.

O Departamento de Gestão Hospitalar do Ministério da Saúde no Rio informou que, segundo a plataforma da Secretaria municipal de Saúde que visualiza leitos de hospitais públicos da cidade, o Hospital do Andaraí tinha 87% dos leitos ocupados nesta terça-feira, o que estaria "dentro da recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), que aconselha uma taxa em torno de 85%".

O ministério afirmou ainda que vai usar uma ferramenta chamada Lean nos hospitais federais com emergências abertas (Andaraí, Bonsucesso e Cardoso Fontes), com o objetivo de organizar os fluxos internos, reduzir desperdícios, otimizar espaços e insumos, implantar e gerenciar indicadores, como redução do tempo de espera, média de permanência e adoção de melhores práticas assistenciais através dos protocolos de cuidado. O Lean é um projeto desenvolvido por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS - Proadi/SUS, executado em parceria com o Hospital Sírio-Libanês, que recebe incentivos fiscais.

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