Correndo o risco de perder apoio da Prefeitura, projeto social de balé no Alemão tem ex-alunos no Bolshoi e no Theatro Municipal


Há sete anos ensinando meninas e meninos do Complexo do Alemão a dançar balé, o projeto social ViDançar corre o risco de fechar as portas. A iniciativa, que já levou jovens da comunidade a dar os primeiros passos na carreira artística, com ex-alunos aceitos em cursos concorridos, como o Bolshoi e a Escola Estadual de Dança Maria Olenewa, do Theatro Municipal do Rio, amarga dificuldades em conseguir apoio. O aporte de R$ 10 mil reais mensais da Secretaria de Cultura termina em setembro, e, apesar de haverem ajudas pontuais, é com o dinheiro da Prefeitura que Ellen Serra, idealizadora do projeto, paga a equipe que ensina as crianças do Alemão a andar nas pontas dos pés.

— Se perdemos o apoio da Secretaria, não temos como funcionar. Eles nos ajudaram muito ano passado, quando perdemos o nosso financiador e ficamos como agora, quase sem conseguir funcionar. Mesmo que estendam o patrocínio até dezembro como comentaram conosco, o futuro do projeto fica muito incerto — explicou Ellen, lembrando que foi graças a uma nota do colunista do GLOBO Ancelmo Gois, que a Prefeitura chegou até o ViDançar:— É basicamente o único dinheiro que temos entrando de forma contínua. As doações pontuais e de pessoas físicas são importantes e nos ajudam muito a realizar espetáculos, por exemplo. Mas sem o aporte da Secretaria fica impossível manter o dia a dia.

Segundo a advogada e produtora cultural, o projeto já está inscrito na Lei Municipal de Incentivo à Cultura para o ano que vem, mas qualquer um interessado pode contribuir através de uma vaquinha online. Ao todo já se vão nove anos tentando manter o ViDançar de pé. O projeto surgiu em 2009 quando Ellen percebeu que suas incursões periódicas de trabalho voluntário dentro da comunidade, entregando chocolate na Páscoa e brinquedos no Natal, não surtiam tanto efeito quanto poderiam. A resposta para essa inquietação veio na forma do ViDançar:

— Me toquei disso quando descobri que uma das meninas da comunidade tinha ficado grávida aos 14. Essas crianças precisavam de um trabalho de apoio contínuo. Foi assim que cheguei no balé. A dança ajuda a desenvolver atenção, disciplina, dedicação e respeito. Quando começamos, eu trabalhava em um banco e tirava do próprio bolso os R$ 900 necessários para pagar um professor de dança — contou Ellen, moradora de Higienópolis:— Tínhamos cinquenta alunos nos primeiros meses. Hoje, são 150 e damos aulas de balé, hip hop e stiletto.





No início, era comum terem de cancelar aulas no ViDançar por conta de operações policiais na comunidade. Mas, desde então, o projeto já mudou de endereço algumas vezes, motivado tanto pela busca por locais seguros, quanto por aluguéis mais em conta. Atualmente, está instalado no Centro de Referência da Juventude do Alemão, que cedeu o espaço na Estrada Itararé gratuitamente. Mesmo diante das dificuldades, os responsáveis pela empreitada têm planos para o futuro, indo de aulas de dança para a população LGBT do Alemão, até uma escolinha de futebol.
— O dinheiro é apertado. No passado, conseguia bancar os uniformes das meninas do balé. Hoje em dia isso ficou impossível — lamentou Ellen.

A violência, no entanto, permanece sendo muitas vezes um desafio para as alunas e suas mães. Dayane Macedo, mãe da Maria Eduarda, uma das meninas que passou para a concorrida prova da escola de dança do Theatro Municipal, conta que a filha já chegou a ficar quase um mês sem poder chegar no projeto, por conta dos tiroteios e operações.

— Hoje mesmo, antes de chegar aqui no Municipal, não pudemos ir ao ViDançar pegar as fantasias das garotas — contou Dayane.

Apesar dos desafios, Ellen Serra e Aline Guimarães, coordenadora do projeto, se orgulham das 1.500 crianças que já passaram pelo ViDançar desde sua abertura em 2009. Vibram ainda mais com os cinco ex-alunos que conseguiram passar no crivo rigoroso de cursos de balé profissionais, como a Escola Bolshoi, de Joinville, e o Theatro Municipal, no Rio de Janeiro. Desse grupo, as duas mais novas, entre elas Maria Eduarda, enfrentam dificuldades para se manter matriculadas, devido as distâncias que precisam viajar diariamente.

— Minha filha, a Maria Eduarda, entrou para a escola do Municipal aos 8. Já fazem dois anos que eu a trago todo dia. Saímos de casa por volta da 13h e voltamos só às 21h porque ainda levo ela para outra aula de balé, no Centro de Dança do Rio. Ela ganhou bolsa de 100% lá, tem que aproveitar, não é? — disse Dayane Macedo.



As horas gastas no trânsito implicam em gastos com transporte que muitas vezes estão fora da realidade dessas famílias. É um problema compartilhado também por Emanuele e Yasmin Medeiros, mãe e filha respectivamente. Assim como Dayane, Emanuele é quem leva a filha todos os dias ao Municipal:

— Os custos com passagem estavam ficando muito pesados. Só conseguimos continuar a correr atrás do sonho da Yasmin quando uma moça de São Paulo se dispôs a nos ajudar financeiramente — explicou, antes de concluir lembrando de uma terceira menina que teve de largar as aulas do Theatro Municipal após a morte da avó, única parente com condições de fazer a viagem do Alemão ao Centro todo dia.

Uma das professoras de balé é Sabrina Vaz, ela própria fruto de um projeto social semelhante em Campo Grande. Há um ano na Vi Dançar, ela diz já ter vivido o suficiente para identificar o tipo de impacto que a arte pode ter na vida de uma criança.

— Muitas coisas mudam no comportamento. Às vezes são pequenos detalhes, que você nota no modo de falar delas. Elas aprendem a serem mais bem-educadas, a ouvir, a respeitarem o próximo e a prestarem atenção em si mesmas. Acredito que muito disso vem da nossa abordagem. Levamos a dança a sério e não queremos que as aulas sejam apenas uma maneira de ocupar um tempo ocioso. Queremos que elas realmente aprendam algo — contou.

Em nota, a Secretaria de Cultura falou da importancia do programa, que considera estratégico, e promete dar uma resposta até o final de agosto. Leia abaixo o texto na integra:

A importância cultural e o impacto social do ViDançar junto às crianças do Complexo do Alemão foram as razões que levaram a própria Secretaria Municipal de Cultura (SMC) do Rio a contactar, em 2017, o projeto, a fim de apoiá-lo para viabilizar sua manutenção e desenvolvimento. A SMC entende como estratégico este projeto e a manutenção do apoio terá uma resposta definitiva no final de agosto, uma vez que o contrato só se encerra em 30 de setembro.

Fonte: Extra Online

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